Quarteirões simétricos, rotatórias e conceito arquitetônico da antiguidade: veja como foi o planejamento de Palmas
Os arquitetos Walfredo Antunes de Oliveira Filho e Luís Fernando Cruvinel, responsáveis pelo projeto de Palmas, usaram conceitos criados na antiguidade para facilitar a mobilidade. Palmas, Brasil.
Google Maps
A cidade de Palmas, considerada a última capital planejada do século XX, teve seu planejamento iniciado no final de 1988. Mapas revelam sua simetria, com ruas e avenidas que se cruzam, formando quarteirões simétricos por toda a cidade. Esse conceito arquitetônico foi inspirado em princípios utilizados na antiguidade pelos assírios e egípcios.
Embora tenha sido fundada em 20 de maio de 1989, após a criação do estado pela Constituição, Palmas só se tornou a capital definitiva do Tocantins a partir de 1º de janeiro de 1990 — em uma área de cerca de 2.475 quilômetros quadrados.
Isso ocorreu porque, durante a fase inicial de construção, a cidade ainda não possuía as condições físicas necessárias para abrigar o governo estadual, que temporariamente tinha sua sede no município de Miracema do Tocantins.
Mapa de Palmas chama atenção pela simetria
Arte g1
Veja os temas abordados na reportagem:
A escolha do território para a capital
Entendendo o porquê da simetria
Malha quadriculada e formação de Palmas
Criação das principais avenidas e tipos de ocupação
Aurenys e Taquaralto: área não planejada
A escolha do território para a capital
Os arquitetos Walfredo Antunes de Oliveira Filho e Luís Fernando Cruvinel Teixeira foram os responsáveis pela escolha do território onde seria a capital do Tocantins e por realizar o planejamento urbanístico da cidade. Na época, eles tiveram a opção de escolher uma cidade existente ou um novo espaço para construir uma cidade do zero.
Luís Fernando Cruvinel Teixeira (à esquerda) e Walfredo Antunes de Oliveira Filho (à direita)
Divulgação/Cristina Cabral e Prefeitura de Palmas
Araguaína e Gurupi eram opções? Conforme o dossiê publicado por Luís Fernando Cruvinel em uma revista da Universidade Federal de Goiás em 2009, Araguaína foi descartada para ser a capital devido a conflitos em áreas de mineração próximas ao Pará. No Sul do novo território tocantinense, Gurupi também não era uma boa opção, porque o estado buscava evitar a influência de Goiás sobre o Tocantins.
Sendo assim, os arquitetos escolheram outra região, mais ao centro do estado, como explicou Walfredo ao g1.
“Isso tinha que ser entregue à assembleia constituinte. Era um quadro de 90 por 90 quilômetros em uma região que não tinha muitas cidades, era mais uma espécie de vazio urbano. E parecia, por dados técnicos e empíricos, que localizar a capital neste local provocaria um equilíbrio da região urbana e não o contrário”, disse.
Initial plugin text
Segundo Walfredo, nesse quadrado foram indicadas duas áreas vizinhas:
Uma área que fica a Oeste do rio Tocantins, que era chamada de “Mangue” pelos dados cartográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atualmente na região é localizado o distrito de Luzimagues, que pertencente ao município de Porto Nacional;
E a outra área chamada “Canela” onde havia um pequeno povoado na região. Palmas foi construída a Leste desse povoado.
Os arquitetos então decidiram construir a capital em um território entre a margem direita do Rio Tocantins e a Serra do Lajeado, próximo ao antigo povoado de Canela. Pelas imagens de satélite do território de Palmas ao longo dos anos, é possível ver o alargamento do rio, que foi calculado pelos arquitetos para estabelecer o espaço onde seria a capital. (imagem abaixo)
Satélite mostra avanço de Palmas, capital de Tocantins.
Google Earth
“Nessas áreas, aprofundamos esse estudo até perceber esta área contínua no pé da Serra, uma topografia muito favorável, uma área plana/semiplana, ligeiramente inclinada da Serra para o rio. Nós já sabíamos que haveria uma represa, que a cota de inundação seria 212. Calculamos essa largura entre a serra e a cota 212 e achamos que poderia se estabelecer um plano urbanístico ali de forma linear”, explicou o arquiteto.
Entendendo o porquê da simetria
Escolhido o espaço, os arquitetos então definiram o princípio que seria usado para fazer o parcelamento da região, ou seja, a divisão do território a partir de um traçado. Walfredo explica que a mobilidade foi fundamental para a escolha dessa divisão.
“Nós escolhemos o traçado ortogonal. (…) Porque é um traçado que proporciona uma mobilidade mais conveniente entre todas as suas partes. É um traçado usado desde a mais longínqua antiguidade, pelos assírios, os egípcios”, disse.
Segundo o arquiteto, esse traçado também foi usado durante o império romano. Eles faziam sua ocupação baseado em estradas onde seria possível passar os exércitos numa determinada medida.
“Eles projetavam as cidades com base nessa passagem, em vias paralelas a essa passagem e em vias que cruzavam de modo ortogonal para dar acesso a todas elas. O que gerava um traçado mais quadriculado”, explicou.
Foi pensado nessa mobilidade que surgiu também as rotatórias que, segundo arquiteto, “é o sistema de controle de intersecção de tráfego mais eficiente que existe até hoje, porque permite um fluxo praticamente sem interrupção, só com diminuição de velocidade”.
FOTOS: veja mais cidades planejadas com o mesmo tipo de projeto
Malha quadriculada e formação de Palmas
Em algumas regiões da capital a malha quadriculada muda de forma, gerando um desenho diferente a Palmas. Segundo o arquiteto, essa alteração é feita pela topografia da cidade.
“Essa malha quadriculada se acomodou ao terreno porque havia lugares onde a topografia não favorecia essa circulação. Então, isso gerou um desenho que muitas pessoas acham que é uma baleia ou pássaro barrigudo, mas não tem nada a ver. Isso é a acomodação da malha aos detalhes da topografia”, disse.
Metragem das quadras de Palmas
Reprodução/Google/Edição g1
No planejamento urbanístico também foi estabelecido o tamanho das quadras. A metragem era inicialmente projetada para ter uma dimensão de 700 metros a partir do centro da quadra, mas acabou sendo reduzida pela metade por causa do clima.
“A metragem inicial foi baseada no princípio europeu de que uma pessoa com uma pequena carga como compra de supermercado, bebê no colo, mala de viagem, poderia caminhar 700 metros com facilidade para chegar a uma via ou transporte. Reduzimos essa medida pela metade, porque uma coisa é você caminhar em um clima temperado e outra é você caminhar sobre o sol do equador e sobre as chuvas que temos aqui. Então, decidimos fazer o ponto médio com 350 metros”, explicou.
Segundo o dossiê de Luís Fernando, também foi proposto que o centro das quadras fosse usado para implantação de praças e escolas. Mesmo com o modelo geral, cada quadra também poderia ser dividida de acordo com duas edificações. Esse parcelamento próprio é que deu origem a desenhos diferentes no interior das quadras.
Criação das principais avenidas e tipos de ocupação
Com as definições gerais feitas, os arquitetos estabeleceram no plano onde seriam as áreas residenciais, comerciais e industrial. Assim surgiram os principais locais e eixos de Palmas:
Praça dos Girassóis, onde estão as sedes dos poderes executivos, jurídicos e legislativo do estado;
Sede da prefeitura de Palmas, na praça do Bosque;
Avenida Teotônio Segurado, que percorre a cidade de Norte a Sul;
Avenida Juscelino Kubitschek, que percorre a cidade de Leste a Oeste.
Initial plugin text
As duas avenidas foram projetadas para abrigar o comércio. A Teotônio também foi pensada para receber shoppings, supermercados, hotéis e serviços que geram muito tráfego, além de ter um “corredor de transporte coletivo”.
Com o planejamento da estrada que hoje é a TO-050 foi proposta a implantação de uma área industrial ou semi-industrial, para a passagem de veículos mais pesados. Devido ao fluxo de caminhões na região, as rotatórias são maiores.
Segundo Walfredo, em todas as quadras foi estabelecido um centro de comércio local, com acessos para salão de beleza, padaria, loja de concerto de bicicleta e outros negócios. O comércio vicinal como lojas de tecido, sapataria e óticas foram intercalados em quadra sim e quadra não. Os arquitetos também definiram que as quadras residenciais teriam 380 habitantes por hectare.
“Estudos que já existiam, feitos a partir da tese de doutorado do professor Juan Luis Mascaró do Rio Grande do Sul, fizeram uma comparação dos custos da infraestrutura em relação à densidade e ocupação. Quanto menos gente ocupa o local, os custos sobem em relação a cada uma das famílias. Os estudos dele estabeleciam 380 habitantes por hectare, como uma situação mais propícia para distribuir o custo da infraestrutura”, explicou o arquiteto Walfredo.
O g1 entrou em contato a prefeitura para saber quantos habitantes vivem por hectare atualmente, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Aurenys e Taquaralto: área não planejada
A região Sul de Palmas, área onde atualmente estão os Jardins Aurenys I, II, III e IV, Jardim Taquari e a região de Taquaralto, não fez parte do planejamento original de Palmas.
Ponte do Aureny III – avenida Teotônio Segurado, em Palmas
Djavan Barbosa/TV Anhanguera
Segundo documento arquitetônico elaborado por Luís Fernando Cruvinel, a região deveria ser ocupada apenas quando 70% da área planejada tivesse sido ocupada.
“Ocuparam, portanto, o território destinado à expansão urbana Norte, quando deveriam ser implantadas após a urbanização de 70% da área projetada pelo plano diretor. Esse processo deveu-se, em grande parte, a políticas de governo deliberadamente de segregação da população mais pobre, antecipando uma forma de organização do espaço urbano que o mercado imobiliário, por si só, talvez só pudesse construir ao longo de muitos anos”, disse em seu dossiê.
Em entrevista ao g1, o doutor em urbanismo e professor da Universidade Federal do Tocantins, Luiz Otávio Rodrigues Silva, explicou que esses distanciamentos são provocados por impactos de capital imobiliário e poder político.
“Tal como ocorre na maioria das cidades brasileiras e latino-americanas, a massa de trabalhadores que tem se dirigido a Palmas, atraída pela oportunidade de trabalho, vem sendo afastada da parte central devido à alta de preço dos imóveis. Nesse processo, por dispor de melhor infraestrutura, comércio e serviços, a classe de maior renda ocupa o espaço central da cidade”, disse.
O professor ainda explica que, na época, por questões jurídicas e a necessidade de acomodar novos moradores e as esferas administrativas do estado, a ocupação planejada pelos arquitetos idealizadores não foi completamente cumprida.
“De fato, duas cidades diferentes foram se estruturando, uma de acordo com o projeto e, no entorno, uma segunda cidade informal. Aproximadamente a 20 km do centro de Palmas, próximo a Taquaralto, que era um povoado de poucas casas, foram surgindo esses assentamentos que depois foram agregados à cidade projetada”, explicou Luiz Otávio.
Segundo o professor, o equilíbrio no espaço urbano pode ser alcançado com algumas transformações promovidas pelos gestores, sociedade e técnicos do Instituto de Planejamento Urbano de Palmas. Como, por exemplo:
Reordenamento da ocupação urbana;
Integração urbana dos assentamentos informais, dos Aurenys, Taquaralto e Taquari;
Construção dos Parques da Região Norte e Sul com equipamentos de lazer, cultura e entretenimento (já elaborado pelo IPUP);
Melhoria do transporte coletivo;
Implantação de infraestrutura para o transporte cicloviário;
Melhoria das condições de acessibilidade do entorno da cidade para o centro;
Preservação e recuperação ambiental para adaptação da cidade as mudanças climáticas;
Requalificação urbana para atrair rede de comércio e serviços tanto no centro quanto nos principais eixos viários;
Incentivo a novas centralidades (consolidação da infraestrutura definida no projeto de Palmas);
Prevenção como estratégia para promoção da segurança pública.
Moradores de regiões fora do plano diretor de Palmas reclamam de falta de estrutura
Veja mais notícias da região no g1 Tocantins.